segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Oldenburg, 19 de fevereiro de 2011.


Ontem fiz minha terceira e última apresentação aqui em Oldenburg, foram 3 ao todo, organizadas pelo staff do Kulturetage, instituição parceira aqui na Alemanha: uma realizada na Grundschule Alexandersfeld e outras duas realizadas na Grundschule Dietrichsfeld, estas duas últimas tendo como apoiador financeiro o Projekt Ökovest.
Na escola Grundschule Alexandersfeld fizemos a apresentação na quadra de esportes, o chão era uma espécie de compensado, o que permitia o desenvolvimento da performance, a quadra aquecida, o Kulturetage providenciou o som e o espaço permitia a presença das 170 crianças, ou seja, acontecimento na Alemanha, tudo funcionando! Confesso que enquanto me preparava para esta situação me veio à mente uma outra semelhante, vivida no sertão do Ceará, numa cidade chamada Santana do Cariri. Podem acreditar, no inverno alemão vivi uma situação que me fez recordar o sertão cearense. Por que? Estava eu na mesma situação, apresentando um espetáculo de dança-teatro para crianças numa quadra de esportes! Lógico que não dá pra comparar as condições de cada espaço, mas a situação era bem parecida. E isso me fez refletir sobre a proposta do Teatro Xirê lá no começo: queria eu fazer um trabalho de democratização da dança contemporânea e trabalhar para crianças foi também um passo neste sentido, formar olhares - no melhor sentido da palavra, estimular a fruição da linguagem.
Não temos como dimensionar o sucesso deste empreendimento, mas certamente, temos nos atrevido bastante no empenho, o que nos levou a mostrar o trabalho nas situações mais diversas e adversas para os mais diferenciados públicos, buscando sempre respeitar as condições mínimas para sua realização.
Resultado: emoção novamente! As fotos 1 e 2 são desta primeira escola e a pequena filmagem dos aplausos no final também, as crianças pedem “bis!” em alemão e minha cara de boba no fim da filmagem é porque não entendia o que eles diziam.


 


As apresentações seguintes (seguinte mesmo, no dia seguinte, foram 3 apresentações seguidas, às 10 da manhã, com a temperatura média de 4o ao ar livre) aconteceram na escola Grundschule Dietrichsfeld. O espaço era bem menor, e lá vou adaptar tudo para o trabalho acontecer. No primeiro dia de apresentação, o público que estava sentado no final da sala perdeu a conexão com o espetáculo em alguns momentos, o espaço não estava muito bem organizado para as crianças (também acontece na Alemanha...) e os que estavam sentados mais atrás não conseguiam ver o que estava acontecendo, e, é claro, a criança se cansa depois de algum tempo. Do meu ponto de vista nada grave, pois conseguia senti-los presentes em muitos momentos do espetáculo. Mas para a direção da escola... ui, gravíssimo (é, estamos na Alemanha onde todos os problemas devem ser resolvidos, e bem resolvidos). Um problema que no fim das contas acabou por ser bem positivo, uma vez que gerou uma conversa (um pouco tensa pra mim, é verdade) sobre o conceito do trabalho, a turbulência que ele causa na platéia, a necessidade das crianças fazerem suas construções a partir da vivência cinestésica e por aí vai. Para o dia seguinte reorganizamos o espaço de modo que ele oferecesse melhor visibilidade para todos os presentes e conversamos com as professoras, pedindo-lhes que elas deixassem as crianças se manifestarem durante o espetáculo (falarem, rirem, comentarem os acontecimentos entre elas) sempre respeitando o espaço da bailarina (ou seja, eu!). E tivemos mais uma linda performance, não falo por mim só não, falo pelo acontecimento como um todo, porque o espetáculo sempre acontece com o público.
No final dos dois espetáculos conversamos com as crianças (fotos 3 e 4) e depois nos demos conta de como esta conversa ajuda a desmistificar e diminuir preconceitos sobre o Brasil. Explico: estamos numa cidade ao norte da Alemanha onde as crianças estão assistindo um espetáculo de dança-teatro (que para elas também é novidade porque são crianças e seus olhares ainda estão frescos para o mundo) de uma brasileira, que não entende o que elas falam, que lhes traz outro tipo de informação que não é samba, nem futebol, nem capoeira (com todo o amor que tenho pelo samba, pelo futebol e pela capoeira) e que fala português. Fomos assim percebendo que vamos abrindo um outro canal de curiosidade sobre o país.
Na verdade quem chamou a atenção para isso foi o amigo Frizz Lehner, do Theater Rootslofel (de Nuremberg) que veio até Oldenburg especialmente para nos visitar e assistiu minha segunda apresentação! No projeto enviado à Funarte apontamos que ele era resultado de um modo conseqüente de criar parcerias e, agora que os colegas, mesmo os que não estavam originalmente no projeto, começam a fazer-se parceiros em pequenas ações, presenças, desejos, essa rede vai se evidenciando. Um modo de pensar a atuação artística que agradeço muito à parceria com Norberto Presta.




14 de fevereiro de 2011, em trânsito de Berlim para Oldenburg, finalizando Zakinthos.


Na Grécia, passamos dois dias por Atenas para chegar à ilha de Zakinthos, onde desenvolvemos o projeto em parceria com a brasileira Lis Nobre, do Ambrosia Theater. Residindo na ilha há dois anos ela tomou conhecimento do projeto e arregaçou as mangas para que nós desviássemos nosso caminho até lá. Pretendíamos realizar o workshop e a apresentação do “Quando Crescer, Eu Quero Ser...”, mas a apresentação ficou pra nossa próxima visita (ou seja, pra continuidade do projeto, segundo os nossos desejos). Realizamos apenas o workshop, para um grupo de 11 pessoas, bastante heterogêneo, que nos obrigou a estar bastante atentos na sistematização da proposta. Outro fator que nos exigiu atenção e objetividade na orientação do trabalho foi a língua, porque ministramos o curso entre o inglês, o grego e o italiano. Esses dois fatores exigiram de nós um olhar muito voltado para a questão pedagógica que acabou alimentando uma discussão bastante política a respeito da produção artística, o que nos fez tomar consciência de como estes três aspectos estão profundamente relacionados no nosso trabalho.
Pedagogicamente os exercícios propostos a partir da coluna vertebral tiveram que ser ministrados com minúcia e divididos em partes. Geralmente, quando trabalhamos com atores e/ou bailarinos, este exercício é aplicado com mais continuidade, pois abordamos conceitos que, em geral, fazem parte do vocabulário dos profissionais. Este detalhamento ajudou-nos a perceber mais de perto a dimensão pedagógica do trabalho que vimos realizando, o que se confirmou na reunião que o grupo generosamente se propôs a fazer dois dias depois de finalizado o workshop para nos dar um feedback.
Politicamente a realização do projeto em Zakinthos marcou o início do desenvolvimento das idéias bastante bem situadas de Lis. A atriz/palhaça tem bastante consciência das limitações da produção artística nas artes cênicas, não apenas na ilha, mas em todo o território grego. Ela compreende que para dar continuidade ao trabalho que já vem fazendo precisa contribuir para a ampliar a percepção sobre as diferentes formas que as artes cênicas (circo, teatro ou dança) podem assumir e ficamos felizes de poder contribuir com o início daquilo que nos pareceu um projeto mais ousado por parte dela. No decorrer do desenvolvimento do “Arte-Pedagogia-Política” vamos buscando meios de dar continuidade a esta parceria.
Artisticamente ficou o enorme desejo de compartilhar nossos espetáculos com o público grego. A proposta do workshop despertou a curiosidade dos participantes sobre a “aplicação” em cena dos conceitos abordados. Particularmente, como orientadores do processo, acreditamos que a vivência artística sempre contribui com a desmistificação dos conceitos.
Em Berlim (saindo de Atenas à caminho de Oldenburg), dialogando com Lambert Blum[1], ele nos questionou sobre como compreendíamos a dimensão política do projeto. Perguntou ele: “Mas o que é o ‘político’ neste projeto?”. Esclarecemos que compreendemos a dimensão política do projeto sob os seguintes aspectos: 1) das políticas culturais (buscamos compreender em linhas gerais como funciona, ou não, a política cultural nos países que estamos visitando para posteriormente conversarmos com eles sobre como esta política está funcionando no Brasil); 2) como as companhias ou artistas identificam sua ação política, no que produzem, no que pensam, no que podem interferir ou como são atravessados pela situação político cultural (como o exemplo de nossa amiga brasileira na Grécia, que a seu modo está buscando intervir consequentemente na cultura local); 3) como a dimensão política local transforma as performances artísticas ao mesmo tempo em que esta é transformada pelas circunstâncias que a circundam, apresentar o “Quando Crescer...” na Grécia, na Alemanha ou na comunidade quilombola de Santa Rita do Bracuí (em Angra dos Reis), por exemplo, transforma a performance e a constrói nestes contatos.
Aos poucos vamos nos dando conta de que estamos falando de uma atuação artística que é inseparável de suas dimensões artística e pedagógica.


[1] Lambert é teórico teatral, especializado na biomecânica de Meierhold, e dirigiu três espetáculos de Norberto.




terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Já na Grécia, finalizando Itália, 31/01/11.


Ainda na Itália ministramos um encontro de três horas com um grupo dirigido por Martin Stigol (do Progetto Zattera), formado por cinco integrantes que no momento estão desenvolvendo uma performance dentro de uma residência. O trabalho se desenvolveu sobre o tema da voz no corpo e abordamos os princípios básicos que vimos desenvolvendo, tais como: os espaços acústicos dentro e fora do corpo; a voz que move o corpo e o corpo que faz dançar a voz.
Já estamos em Atenas finalizando o registro do encontro com o Progetto Zattera, que produziu o desejo forte de continuidade no diálogo por força das soluções que o Progetto precisa encontrar para a própria subsistência e por percebermos como essas pequenas soluções, aos poucos (ou melhor, ao longo de muitos anos), vão transformando a realidade em volta. Por certo percebemos também que uma possível visita do Progetto ao Brasil, encontrando-se com outras realidades, como a dos parceiros do Teatro da Laje, pode vir a produzir uma “fermentação” interessante em ambos os lados. Saímos da Itália já buscando viabilizar o desejo deste encontro na segunda fase do projeto em abril no Rio.
Estamos em Atenas, onde ficamos 2 dias até embarcarmos para Zakinthos, e lá desenvolveremos o workshop "O Corpo entre a Dança e o Teatro". O cartaz do encontro (em grego!) segue abaixo.